quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

HQs que Você Não Leu (mas deveria) 1 - PEIOTE

Introdução (grande mas necessaria, podem pular se quiserem)
Estreou por esses dias aí A REDE SOCIAL , filme novo do David Fyncher falando sobre a criação do FACEBOOK e das merdas que rolaram nesse processo todo. É interessante ver toda a interação (ou a massacrante falta dela) nesse universo em desenvolvimento que acompanhamos in loco. Pra muitos essa interação é algo novo mas pra mim e pra várias outras pessoas , esse fenômeno de aproximação entre interessados em um mesmo assunto (ou não), seja ela entre admiradores , pesquisadores ou criadores/ produtores, já acontece a muito tempo, essas novas ferramentas apenas ajudaram a aprimorar uma rede de relações que já era bem desenvolvida e complexa, pra não dizer auto-suficiente: sim, estou falando do tal mercado independente de (preencha aqui o meio que melhor lhe servir)! 

Na área de quadrinhos então, essas redes de interação entre fãs e criadores já estava bastante consolidadas nos fanzines, que uniam e serviam como laboratório para que vários estilos de HQ pudessem surgir e ser lidos por fãs ávidos de material diferente do habitual produto de banca. Fanzines como o QI - Quadrinhos Independentes do Edgard Guimarães (esse, com sua HQ Mundo Feliz) vai ganhar uma resenha gigante aqui um dia) , Panacea (que virou  uma revista foda no meio dos anos  90, mas que, como sempre, durou poucos numeros) e o Cabrunco, de Aracaju, serviam de ponto de encontro pra todos os produtores de fanzine do Brasil e além. Era muito legal ver diversos autores participanto massivamente de várias revistas não apenas com suas HQs mas tambem com textos, resenhas, opiniões e por aí vai.  

Com o surgimento da internet ,a tendencia natural seria que a maioria dos zines migrassem para o novo meio.  E foi o que aconteceu, mesmo com o não  abandono da mídia impressa, mas esssa ultima tornou-se o estágio final (ou opcional, como queiram) e não apenas a única possibilidade. O que vemos hoje em dia com o mercado independente é um meio que não apenas gera mão de obra para a industria mas também, através de do estilo de seus autores, dita o caminho a ser percorrido por ela. Podemos observar isso nas duas grandes americanas , principalmente na Marvel , no exemplo de Brian Michael Bendis, cujo estilo caudaloso foi talhado nas independentes como Torso e Fire, e hoje ditam a regra da casa de idéias. No japão isso já é regra faz tempo. 

E no Brasil, hoje, temos um mercado independente que se mescla quase sem diferença alguma com o mercado tradicional, sendo que esse hoje é inexpressivo e desorganizado, e abre espaço para os criadores independentes mostrarem todo seu potencial. Afinal estão aí a série de albuns magistralmente editados pelo Sidney Gusman MSP50, MPS+50 e o vindouro MSPNOVOS50 que é composta creio que 75 % .de autores independentes mostrando sua visão sobre o universo criado por Mauricio de Sousa. E é só lembrar da presença esmagadora dos independentes na Comicon realizada no Rio no mês passado!

Ao mesmo tempo o meio alternativo hoje permanece como uma oficina livre para os criadores desenvolverem suas experiências sem maiores amarras, deixando a cargo do autor  o limite que ele pode alcançar.

É nesse universo extenso e complexo que navega a revista resenhada aqui hoje
PEIOTE - A NAU DO VIAJANTE JAUM

A revista capitaneada pelo nosso brother JAUM tem como proposta básica ser uma viagem, a matéria sobre psicodelis mo não esta lá à toa. Nesse ponto já posso dizer que a revista cumpriu seu propósito, uma vez que ela me levou a uma viagem mental ,sensorial  (sentimental e visual) pelo universo independente dos quadrinhos e sua inumeras facetas e influências, e fizeram parte de toda minha formação intelectual até hoje. Então não esperem dessa resenha um distanciamento frio. Aliás, não dá pra apreciar a revista (positiva ou negativamente) de forma objetiva, a revista é uma experiência e tem de ser lida como tal.

E a minha experiência com Peiote foi nostalgica.

Eu revisitei alí diversos períodos da minha vida como leitor e pesquisador de quadrinhos. Nas primeiras folheadas ,dou uma olha da nas páginas coloridas e vejo alí o trio responsável por isso :Jaum,Law Tissot e Abs Moraes.
 
Dos três o Law é o que me leva a tempos mais antigos dos zines xerografados comprados pelo QI e em lojas de heavy metal em Aracaju, ele (é ainda, eu acho) era presença certa em diversos zines da época junto com o Henry Jaepelt, Edgar Franco, Luciano Irrthum (que também participa da Peiote com seu jeito insano de sempre e nonsense de sempre). Precedida de um bate papo bem legal ente Jaum e Tissot vem a HQ UltraViolência , que confesso, não me agradou numa primeira leitura porque pensei : "Porra, esse tempo todo e esse cara ainda ta nessa de ciberpunk!" Mas numa segunda olhada ví que era mais uma proposta temática sólida de trabalho do que uma repetição. Fora que o trabalho gráfico continua bastante autoral mas com um aprimoramente técnico visível, quem conhece identifica na hora de quem é a HQ mas o traço está muito mais firme e objetivo. Pra quem não conhece imagine o Kevin O´Neil em Era Metalzóica. O trabalho bicolor (cinza e tons de purpura) matou a pau tambem.

Na sequencia aparecem as primeiras oito tiras da série Desvio lindamente desenhadas pelo Jean Okada e escritas por aquele que considero ser ,de longe, o melhor roteirista de HQs do país, Abs Moraes. Digo isso pois parece ser um dos poucos que realmente estudam a mídia HQ e tenta levar seus limites narrativos a pontos distantes, brincando não apenas com a narrativa mas com o formato que a HQ esta sendo desenvolvida. Descobri seu trabalho e fiquei fã imediato ao ler seu trabalho no albúm O Gralha , junto com caras formidáveis como Antônio Eder e Tako X , e muitos outros, então procurei tudo que podia achar sobre ele. E achei. MUITA COISA. A graphic Chupa Cabra, o fanzine Reptil (que tem a fenômenal mas inacabada PREFIXO: SUPER) , a graphic Dr. Clima entre outras coisas. Foi também o primeiro autor de HQ que entrei em contato e troquei idéias , cheguei a pedir permissão a ele pra desenhar um de seus roteiros. Foi um periodo de grande crescimento pra mim. Ler Desvio, é ver mais uma das experiências desse cara foda. O jeito que ele brinca com os quadrinhos é muito legal, ele não usa a metalinguagem de maneira obvia. Ele é daqueles roteiristas que fazem o desenhista entrar no jogo dele muito fácil e fazem o leitor pensar que não existiria outro cara pra fazer o trabalho. Simplesmente sensacional.

E tem o Jaum

Falar do comandante da nau Peiote é complicado. O Olhar Cabuloso e o blog do Jaum começaram  mais ou menos na mesma época. Ele foi um dos caras que me deram um grande apoio pra levar minhas HQs pra frente, por algum motivo eu parei . 

Mas graças ao bom velhinho Eisner ele não.  

Eu ia sempre observando, em sites e no próprio blog dele seus trabalhos e seus envolvimentos em outros projetos, como o Pequenos Heróis (uma idéia linda do Estevão Ribeiro), e o gênese de Peiote. Acompanhei o lançamento da revista. Só não comprei a revista. He,he,he! No meio desse ano consertei a besteira e catei Peiote. Formatão massa, papel de prima, páginas coloridas e uma capa FODA (que pensei ter sido pintada no PC mas fiquei com cara de toba quando ví o vídeo com ela ainda quentinha e úmida na prancheta)!!!!

Bom, o capitão da NAU é onipresente na revista, no bom sentido é claro. Ele participa em 4 HQs , sendo que em duas , ANKH VÍDEO e CÃES DE GUERRA, ele faz apenas o roteiro. Na primeira a arte fica a cargo de Junim, que faz um jogo de luz e sombra excelente com o grafíte e brinca bem com a narrativa, me lembrou bastante a série Den do Richard Corben. A segunda traz o traço simpaticão (ehehehe! trocadilho paia) de Rafael Torres. Nos dois casos temos HQs curtas com a pegada caracteristica do Jaum mas com fechamentos não tão legais, na verdade os dois são bem parecidos. Até esse momento gosto mais do Jaum autor do que do Jaum roteirista. Mas fiquei na pilha de conhecer mais coisa dos dois desenhistas, e como acho que essa foi a intenção dele ao escrever os roteiros, elas marcam um gol.

Já as HQs em que ele faz tudo são simplesmente INCRÍVEISKid Futilidade que abre a revista mostra de cara o poder de fogo do cara. A clara influência dos europeus da linha clara (seria muito fácil comparar a Moebius - e muitos fizeram e farão mas percebe-se logo que ele vai muito além da simples influência direta) tanto no traço quanto na temática levam o leitor a admirar o trabalho do autor depois da leitura, e nos quadrinhos de hoje não são muitos que conseguem tal feito. Você fica se perguntando de onde ele tira as idéias , como ele imaginou a proporção dos quadros e por aí vai. 

Sumé não esconde em nada a influência do francês azuado da Metal Hurlant , é uma brincadeira legal com o conceito do Aztec , mas o personagem dessa HQ também define perfeitamente o alter ego do Viajante para o autor, indo num fluxo livre de desenho , narrativa e temática. Destaque também para o trabalho de cor aplicado nessa HQ.

Com PEIOTE , Jaum mostrou ser não apenas um autor completo e promissor mas também um editor de talento, cada decisão aqui contribui para que a revista seja aproveitada ao máximo (pelo material aplicado o preço ficou incrivelmente acessivel), as páginas coloridas são usadas com sabedoria e a seleção de autores foi primorosa, bem dividida entre veteranos que merecem ser conhecidos e novos autores que podem oferecer muito aos leitores. Prova disso é a HQ que fecha a revista, a belíssima As Velhas Memórias do Mar , de Bruna Torres e João Gonçalves com a linda aguada de nanquim de Daniel Carvalho. Adaptação de um conto que ocupa nada menos que dez páginas da revista, cuja única falha é descrever um pouco demais as cenas onde não havia necessidade. Mas é um erro comum sendo que é a primeira história da autora e que provavelmente queria mostrar serviço. Um excelente serviço. 

Fica aqui então o meu agradecimento ao comandante Jaum e a sua talentosa tripulação por me deixar , depois de uma viagem nostalgica e também reveladora, no cais empolgado com as possibilidades que os caminhos inexplorados dessa linguagem delirante dos quadrinhos. 

Quando será a próxima?

Rodrigo Seixas, El Cabuloso

1 comentário:

Law Tissot disse...

É nóisssssss... Desulpe-me, mas sou um velho cyberpunk vagando pelas terras devastada dos pampas... abração.